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Capitulo 20
Capitulo 20

 

Dar o caldo para Peeta levou uma hora de persuasão, súplicas, ameaças, e sim, beijos, mas finalmente, gole por gole, ele esvaziou o pote. Deixo-o dormir então e atendo às minhas próprias necessidades, engolindo um suprimento de ervas e raízes enquanto observo o relatório diário no céu. Sem novas casualidades. Mesmo assim, Peeta e eu demos à audiência um dia bastante interessante. Se tivermos sorte, os Gamemakers vão nos permitir uma noite pacífica.

 

Automaticamente procuro ao redor uma boa árvore para me abrigar antes de perceber que acabou. Pelo menos por enquanto.
Não posso deixar Peeta desprotegido no chão. Eu deixo a cena de seu último esconderijo na margem do córrego intocado – como eu poderia ocultá-la? – e estamos a poucos cinquenta metros rio abaixo. Ponho meus óculos, colocando minhas armas ao alcance, e sento-me para me manter em vigilância.

 

A temperatura cai rapidamente e logo estou tremendo até os ossos. Eventualmente, eu cedo e deslizo para dentro do saco de dormir com Peeta. Está quente e eu me aconchego agradecida até perceber que está mais do que quente, está excessivamente quente porque o saco está refletindo a febre dele. Verifico sua testa e encontro-a queimando e seca. Não sei o que fazer. Deixo-o no saco e espero que a febre termine? Tiro-o dali e espero que o ar da noite o esfrie? Acabo apenas umedecendo uma tira de gaze e colocando-a sobre sua testa. Parece pouco, mas tenho medo de fazer algo drástico demais.

 

Passo a noite meio sentada, meio deitada ao lado de Peeta, refrescando a gaze, tentando não pensar no fato de que, juntando-me a ele, eu me fiz muito mais vulnerável do que quando estava sozinha. Presa ao chão, de guarda, com uma pessoa muito doente para tomar conta. Mas eu sabia que ele estava machucado. E ainda fui atrás dele. Eu só tenho de confiar que qualquer que seja o instinto que me mandou encontrá-lo seja bom.

 

Quando o céu fica rosado, noto o brilho de suor do lábio de Peeta e descubro que a febre acabou. Ele não voltou ao normal, mas a febre baixou alguns graus. Noite passada, quando eu estava recolhendo vinhas, topei com as amoras de Rue. Descasquei a fruta e amassei no pote de caldo com água fria.

 

Peeta se esforça para se levantar quando eu alcanço a caverna.

 

— Eu acordei e você não estava aqui — ele diz. — Estava preocupado com você.

 

Tenho de rir quando eu o tranquilizo.

 

— Você estava preocupado comigo? Já se olhou ultimamente?

 

— Pensei que Cato e Clove tinham te encontrado. Eles gostam de caçar a noite — diz, ainda sério.

 

— Clove? Quem é essa?

 

— A garota do Distrito Dois. Ela ainda está viva, certo?

 

— Sim, há apenas eles e nós, Thresh e Foxface.

 

— Foxface?

 

— Esse é o apelido que eu dei para a garota do Cinco. Como você se sente?

 

— Melhor do que ontem. Essa é uma enorme melhoria sobre a lama. Roupas limpas, remédio, saco de dormir... e você.

 

Ah, certo, a coisa toda de romance. Estendo a mão para tocar sua bochecha e ele a pega e pressiona contra seus lábios. Lembro-me do meu pai fazendo isso com a minha mãe e pergunto de onde Peeta pegou isso. Não tenho certeza se foi do pai dele e da bruxa.

 

— Sem mais beijos para você até que tenha comido.

 

Juntos, conseguimos colocá-lo contra a parede e ele obedientemente engole as colheradas de mingau que fiz. Ele recusa as ervas novamente, no entanto.

 

— Você não dormiu — Peeta percebe.

 

— Estou bem — respondo. Mas a verdade é, estou exausta.

 

— Durma agora. Vou ficar observando. Vou te acordar se algo acontecer.

 

Eu hesito.

 

— Katniss, você não pode ficar acordada para sempre.

 

Ele tem um ponto aqui. Tenho que dormir eventualmente. E provavelmente é melhor fazer isso agora, quando ele parece relativamente alerta e temos a luz do dia do nosso lado.

 

— Tudo bem. Mas só por algumas horas. Então você me acorda.

 

Está muito quente para o saco de dormir agora. Eu coloco-o sobre o chão da caverna e deito, uma mão no meu arco carregado no caso de eu ter de atirar a qualquer momento. Peeta se senta ao meu lado, inclinando-se contra a parede, sua perna ruim estirada ante a ele, seus olhos focados no mundo lá fora.

 

— Vá dormir — fala suavemente.

 

Sua mão afaga uma mecha do meu cabelo sobre minha testa. Diferente dos beijos e das carícias encenadas até agora, esse gesto parece natural e confortante. Não quero que ele pare e ele não para. Ele ainda está tocando meu cabelo quando caio no sono.

 

Tempo demais. Dormi tempo demais. Sei no momento em que abro meus olhos que é de tarde. Peeta está ao meu lado, sua posição inalterada. Sento-me, sentindo-me meio defensiva, mas melhor do que estive em dias.

 

— Peeta, você deveria me acordar depois de algumas horas.

 

— Pra quê? Nada aconteceu aqui. Além disso, eu gosto de te observar dormir. Você não faz cara feia. Melhora muito sua aparência.

 

Isso, é claro, me traz uma cara feia que o faz rir. É quando percebo quão seco seus lábios estão. Toco sua testa. Quente como um fogão a carvão. Ele afirma que esteve bebendo, mas o recipiente ainda está cheio para mim. Dou a ele mais pílulas para febre e fico perto dele enquanto ele toma o primeiro, e depois um segundo quarto de água. Então olho suas feridas menores, as queimaduras, as picadas que estão mostrando melhoras. Eu me firmo e desato sua perna.

 

Meu coração afunda. Está pior, muito pior. Não há pus em evidência, mas o inchaço aumentou e a pele brilhante está inflamada. Então vejo as listras vermelhas começando a subir pela sua perna. Envenenamento sanguíneo. Se não for parado, vai matá-lo com certeza. Minhas folhas mastigadas e pomada não vão pará-lo. Vamos precisar de um forte antibiótico da Capital. Não posso imaginar o custo de um remédio tão forte.

 

Se Haymitch juntar toda contribuição de todos os patrocinadores, ele teria o bastante? Duvido. Presentes sobem em preço à medida que os Jogos continuam. O que compra uma refeição completa no primeiro dia compra um biscoito no dia doze. E o tipo de remédio que Peeta precisa teria sido um prêmio desde o início.

 

— Bem, há mais inchaço, mas o pus se foi — digo numa voz instável.

 

— Sei o que é envenenamento sanguíneo, Katniss. Mesmo que minha mãe não seja uma curandeira.

 

— Você só tem de sobreviver aos outros, Peeta. Eles vão te curar na Capital quando nós ganharmos — digo.

 

— Sim, é um bom plano. Mas sinto que isso é mais para meu benefício.

 

— Você tem que comer. Mantenha sua força para cima. Vou fazer sua sopa.

 

— Não acenda o fogo. Não vale a pena.

 

— Vamos ver.

 

Quando levo o pote para o riacho, estou abatida com quão brutalmente quente está. Juro que os Gamemakers estão progressivamente aumentando a temperatura de dia e diminuindo a noite. O calor das pedras do lago me dá uma ideia, entretanto. Talvez eu não precise acender o fogo.

 

Eu me sento numa grande pedra lisa no meio do caminho entre o lago e a caverna. Depois de purificar meio pote de água, coloco-o sob luz do sol e acrescento algumas pedras quentes do tamanho de ovos na água. Sou a primeira a admitir que eu não saiba cozinhar muito bem. Mas visto que fazer sopa consiste basicamente em jogar tudo num pote e esperar, esse é um dos meus melhores pratos.

 

Moo ervas até que elas quase se tornem uma massa e misturo com as raízes de Rue. Felizmente elas já foram torradas, assim preciso apenas esquentá-las. Agora mesmo, entre a luz do sol e as pedras, a água está quente. Coloco nela a carne e as raízes, tiro as pedras, e vou procurar algo verde para temperá-lo um pouco. Em pouco tempo, encontro um tufo de cebolinhas crescendo na base de algumas pedras. Perfeito. Corto-as bem finas e acrescento-as ao pote, trocando as pedras novamente, colocando a tampa, e deixando o resto acontecer.

 

Vejo poucos sinais do jogo ao redor, mas não me sinto confortável deixando Peeta sozinho enquanto caço, então faço meia dúzia de armadilhas e rezo para ter sorte. Pergunto-me sobre os outros tributos, como eles estão fazendo agora que sua principal fonte de comida explodiu. Pelo menos três deles, Cato, Clove, e Foxface, contavam com ela. Provavelmente Thresh não, entretanto. Tenho o pressentimento que ele deve dividir algum do conhecimento de Rue de como se alimentar da terra. Eles estão lutando entre si? Procurando por nós? Talvez um deles tenha nos localizado e esteja apenas esperando pelo momento certo para atacar. A ideia me envia de volta para a caverna.

 

Peeta está estendido sobre o saco de dormir nas formas das pedras. Embora ele tenha se animado quando eu entrei, está claro que ele se sente miserável. Ponho uns panos frios sobre sua testa, mas eles ficam quentes logo que tocam sua pele.

 

— Você quer algo? — pergunto.

 

— Não, obrigado. Espere, sim. Conte-me uma história.

 

— Uma história? Sobre o quê?

 

Não sou uma boa contadora de histórias. É como cantar. Mas de vez em quando, Prim consegue uma de mim.

 

— Algo feliz. Conte-me sobre o dia mais feliz que você pode se lembrar — diz Peeta.

 

Algo entre um suspiro e um bufo de exasperação deixa minha boca. Uma história feliz? Isso requer muito mais esforço que a sopa. Eu espremo meu cérebro por boas memórias. A maioria envolve Gale e eu caçando e de alguma forma não penso que essas iriam ser boas para Peeta e a audiência. Resta Prim.

 

— Eu já te contei como consegui a cabra de Prim? — pergunto.

 

Peeta balança a cabeça e olha para mim com expectativa.

 

Então eu começo. Mas cuidadosamente. Porque minhas palavras estão saindo para toda Panem. E quando as pessoas sem dúvida somarem dois mais dois e perceberam que caço ilegalmente, não quero prejudicar Gale, Greasy Sae, a açougueira ou até os Pacificadores de casa que são meus clientes, por anunciar publicamente que eles quebram a lei, também.

 

Aqui está a verdadeira história de como consegui dinheiro para a cabra de Prim, Lady. Era uma tarde de sexta, o dia anterior ao décimo aniversário de Prim no final de maio. Logo que a escola terminou, Gale e eu entramos na floresta, porque eu queria conseguir o bastante para trocar por um presente para Prim. Talvez algum novo tecido para um vestido ou uma escova de cabelo.

 

Nossas armadilhas foram bem feitas e a floresta estava cheia de verduras, mas isso realmente era nada mais que nossa média de uma noite de sexta. Estava desapontada quando voltamos, mesmo Gale dizendo que seria melhor no dia seguinte.

 

Nós estávamos descansando por um momento perto do riacho quando o vimos. Um jovem cervo, provavelmente de um ano, pelo seu tamanho. Seus chifres ainda estavam crescendo, ainda pequenos e revestidos de veludo. Posicionado para correr, mas inconsciente de nós, não familiar com humanos. Bonito.

 

Menos bonito, talvez, quando duas flechas o pegaram, uma no pescoço, outra no peito. Gale e eu atiramos ao mesmo tempo. O cervo tentou correr, mas tropeçou, e a faca de Gale deslizou pelo seu pescoço antes que ele soubesse o que estava acontecendo. Momentaneamente, senti uma dor por matar algo tão jovem e inocente. E então meu estômago rugiu ao pensar naquela carne jovem e inocente.

 

Um veado! Gale e eu tínhamos pegado três no total. O primeiro, uma corça que tinha machucado a perna de alguma forma, quase não contava. Mas sabíamos por experiência que não deveríamos levar a carcaça para o Prego. Isso causou caos com pessoas barganhando as partes e, na verdade, tentando pegar alguns pedaços para si.

 

Greasy Sae interferiu e mandou nossa corça para a açougueira, mas não antes de ele ser muito danificado, pedaços grande de carne levados, a pele cheia de buracos. Embora todos tenham pagado justamente, isso baixou o preço da caça.

 

Dessa vez, esperamos até o anoitecer e passamos pelo buraco na cerca perto da açougueira. Embora conhecêssemos os caçadores, não seria bom carregar o veado de 10 quilos pelas ruas do Distrito 12 à luz do dia, como se estivéssemos esfregando-o na cara dos oficiais.

 

A açougueira, uma mulher pequena e volumosa de nome Rooba, veio para a porta de trás quando batemos. Você não discute com Rooba. Ela te dá um preço, que você pega ou vai embora, mas é um preço justo. Pegamos sua oferta do veado e ela nos faz dois bifes que podíamos pegar depois do abate. Mesmo com o dinheiro dividido por dois, nem Gale nem eu tivemos tanto de uma vez em nossas vidas. Decidimos manter em segredo e surpreender nossas famílias com o dinheiro da carne no final do próximo dia.

 

Foi daí onde tirei dinheiro para a cabra, mas contei a Peeta que vendi um velho medalhão de prata da minha mãe. Isso não pode machucar ninguém. Então pego a história do final da tarde do aniversário de Prim.

 

Gale e eu fomos ao mercado na praça para que eu pudesse comprar o material do vestido. Enquanto eu estava correndo meus dedos sobre um grosso pano azul de algodão, algo apareceu na minha vista. Há um velho que mantém um pequeno rebanho de cabras do outro lado da Costura. Não sei seu nome real, todos o chamam apenas de Homem da Cabra. Suas juntas são inchadas e deformadas em ângulos dolorosos, e ele tem uma tosse seca que prova que ele passou anos nas minas. Mas ele é sortudo. Em algum momento ele juntou dinheiro suficiente para essas cabras e agora tem algo a fazer na sua velhice além de morrer de fome. Ele é imundo e impaciente, mas as cabras são limpas e o leite delas é rico se você puder bancar.

 

Uma das cabras, uma branca com manchas pretas, estava caída numa carroça. Era fácil ver o por que. Algo, provavelmente um cão, atacou seu ombro e uma infecção começou. Isso era ruim, o Homem da Cabra tinha segurado-a para pegar seu leite. Mas eu pensei que conhecia alguém que podia consertar.

 

— Gale — sussurrei. — Quero uma cabra para Prim.

 

Possuir uma cabra pode mudar sua vida no Distrito 12. Os animais podem viver à quase tudo, a Campina tem a alimentação perfeita, e eles podem dar quatro galões de leite por dia. Para beber, fazer qualhada, vender. Não é nem contra a lei.

 

— Ela está muito mal — Gale rebateu. — É melhor dar uma olhada mais de perto.

 

Aproximamo-nos e compramos um copo de leite para dividir, então ficamos perto da cabra como se estivéssemos curiosos.

 

— Deixem-na — disse o homem.

 

— Apenas olhando — Gale respondeu.

 

— Bem, olhem rápido. Ela vai pra açougueira logo. Dificilmente alguém vai comprar o leite dela, então eles apenas pagam metade do preço — disse o homem.

 

— Quanto a açougueira está dando por ela? — perguntei.

 

O homem encolheu os ombros.

 

— Fiquem por aí e vejam.

 

Virei-me e vi Rooba vindo pela praça para nós.

 

— Sorte você aparecer — disse o Homem da Cabra quando ela chegou. — A garota está de olho na sua cabra.

 

— Não se ela a comprou — digo cuidadosamente.

 

Rooba olha para mim de baixo para cima e franze o cenho para a cabra.

 

— Ela não é tudo isso. Olhe para aquele ombro. Aposto que metade da carcaça estará muito podre, até para salsicha.

 

— O quê? — espantou-se o Homem da Cabra. — Nós tínhamos um trato.

 

— Nós tínhamos um trato com o animal com poucas marcas de dentes. Não essa coisa. Venda-a para a garota se ela for estúpida o bastante para levá-la — Rooba retrucou.

 

Quando ela se retirava, vi sua piscadela.

 

O Homem da Cabra estava furioso, mas ainda quis se livrar daquela cabra. Levou meia hora para acertar o preço. Uma boa multidão se juntou para dar opinião. Era um excelente negócio se a cabra vivesse; e um roubo se ela morresse. As pessoas tomavam seus lados na discussão, eu levei a cabra.

 

Gale se ofereceu para carregá-la. Acho que ele queria ver o rosto de Prim tanto quanto eu. Num momento de vertigem, comprei um laço rosa e atei no seu pescoço. Então corremos para minha casa.

 

Você deveria ter visto a reação de Prim quando entramos com a cabra. Lembrar-se da garota que chorou para salvar aquele terrível gato velho, Buttercup. Ela estava tão excitada que começou a chorar e rir ao mesmo tempo. Minha mãe estava menos animada, vendo o machucado, mas então começou a trabalhar neles, moendo ervas e persuadindo a mistura a descer pela garganta do animal.

 

— Elas parecem você — diz Peeta.

 

Quase esqueci que ele estava ali.

 

— Ah, não, Peeta. Elas trabalharam com mágica. Aquela coisa não poderia morrer mesmo se tentasse — digo.

 

Mas então mordo minha língua, percebendo como deve ter soado para Peeta, que estava morrendo nas minhas incompetentes mãos.

 

— Não se preocupe. Não estou tentando — ele brinca. — Termine a história.

 

— Bem, é isso. Só lembro-me que naquela noite, Prim insistiu em dormir com Lady no cobertor próximo ao fogo. E antes de dormirem, a cabra lambeu sua bochecha, como se estivesse dando a ela um beijo de boa noite ou algo assim. Já era louca por ela.

 

— Ainda estava usando a fita rosa? — ele pergunta.

 

— Acho que sim. Por quê?

 

— Estou apenas tentando imaginar — diz pensativamente. — Posso ver porque esse dia te deixou feliz.

 

— Bem, eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de ouro.

 

— Sim, é claro que eu estava me referindo a isso, não ao último presente que você deu a sua irmã que ama tanto que tomou seu lugar na colheita — diz Peeta secamente.

 

— A cabra se pagou por si só. Muitas vezes — digo num tom superior.

 

— Bem, ela não ousaria mais nada depois de você ter salvado a vida dela — Peeta retruca. — Tenciono fazer a mesma coisa.

 

— Sério? O que você vai me custar de novo? — pergunto.

 

— Muitos problemas. Não se preocupe. Você ganhará tudo de volta.

 

— Você não está fazendo sentido — ponho a mão em sua testa. A febre não subiu. —Você está mais frio, entretanto.

 

O som de trombetas me assusta. Fico de pé e vou até a boca da caverna rapidamente, não querendo perder uma sílaba. É meu novo melhor amigo, Claudius Templesmith, e como eu esperava, ele está nos convidando para um banquete. Bem, nós não estamos com tanta fome e, na verdade, eu afasto sua oferta com indiferença até que ele diz:

 

— Agora esperem. Alguns de vocês podem já estar rejeitando minha oferta. Mas não é um banquete ordinário. Cada um de vocês precisa de algo desesperadamente.

 

Eu preciso de algo desesperadamente. Algo para curar a perna de Peeta.

 

— Cada um de vocês vai encontrar esse algo numa mochila, marcada com o número do seu distrito, na Cornucópia, ao amanhecer. Pensem bem sobre recusar a aparecer. Para alguns de vocês, essa será a última chance — diz Claudius.

 

Não há nada mais, apenas suas palavras pairando no ar. Pulo quando Peeta agarra meu ombro por trás.

 

— Não — ele diz. — Você não vai arriscar sua vida por mim.

 

— Quem disse que eu ia?

 

— Então você não vai? — ele pergunta.

 

— Claro que não vou. Dê-me algum crédito. Você acha que vou correr direto para alguma competição livre contra Cato, Clove e Thresh? Não seja estúpido — respondo,ajudando-o a se deitar. — Vou deixá-los lutar, e veremos quem estará no céu amanhã de noite, e vamos planejar daí.

 

— Você é uma péssima mentirosa, Katniss. Não sei como você sobreviveu por tanto tempo. — Ele começa a me imitar. — Eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de ouro. Você está mais frio, entretanto. É claro que eu não vou. — Ele balança a cabeça. — Nunca jogue baralho. Você vai perder até sua última moeda.

 

A raiva ruboriza meu rosto.

 

— Certo, eu vou, e você não pode me parar!

 

— Posso te seguir. Ao menos metade do caminho. Posso não chegar à Cornucópia, mas se eu gritar seu nome, aposto que algo pode me encontrar. E então vou estar morto, com certeza — ele retruca.

 

— Você não conseguirá andar cem metros daqui com essa perna — respondo.

 

— Então vou me arrastar — diz Peeta. — Você vai e eu vou, também.

 

Ele é teimoso o bastante e talvez forte o bastante para fazer. Vir uivando atrás de mim na floresta. Mesmo se um tributo não encontrá-lo, alguma coisa vai. Ele não pode se defender. Provavelmente terei de prendê-lo na caverna para ir. E quem sabe o que o esforço pode fazer com ele?

 

— O que eu deveria fazer? Sentar aqui e ver você morrer?

 

Ele pode saber que não é uma opção. Que a audiência me odiaria. E francamente, eu me odiaria, também, se nem tentasse.

 

— Não vou morrer. Eu prometo. Se você prometer não ir.

 

Estamos em algo como um empate. Sei que não posso argumentar com ele nessa, então nem tento. Finjo, relutante, concordar.

 

— Então você tem de fazer o que eu disser. Beba sua água, acorde-me quando eu disser, e coma cada pedaço de sopa, não importa quão nojento ela seja! — grito para ele.

 

— Feito. Está pronta? — ele pergunta.

 

— Espere aqui.

 

O ar ficou frio, embora o sol ainda esteja alto. Estou certa sobre os Gamemakers bagunçando a temperatura. Pergunto-me se a coisa que alguém precisa desesperadamente é um bom banquete. A sopa ainda está boa e quente no pote de ferro. E, na verdade, não tem um gosto muito ruim.

 

Peeta come sem reclamar, até raspa o pote para mostrar seu entusiasmo. Ele fala como está deliciosa, o que deveria ser encorajador, se você não soubesse o que a febre faz às pessoas. É como escutar Haymitch antes que o álcool o afogue na incoerência. Dou a ele outra dose de remédio para febre antes de ele dormir completamente.

 

Quando desço até o riacho para me lavar, tudo que posso pensar é que ele vai morrer se eu não for ao banquete. Vou mantê-lo por um dia ou dois, e então a infecção vai atingir seu coração, seu cérebro ou seus pulmões e ele se vai. E eu estarei aqui sozinha. De novo. Esperando pelos outros.

 

Estou tão perdida nos pensamentos que quase não noto um paraquedas, embora ele flutuasse ante a mim. Então me lanço atrás dele, puxando-o da água, rasgando o tecido prateado para recuperar o frasco.

 

Haymitch fez! Ele conseguiu remédio – não sei como, persuadiu algumas tolas mulheres românticas a vender suas joias – e posso salvar Peeta!

 

É um frasco tão pequeno, porém. Deve ser forte o bastante para curar alguém tão doente como Peeta. Uma onda de dúvidas me atravessa. Destampo o frasco e dou uma cheirada profunda. Minha força cai ao doentio cheiro doce. Sem dúvidas, é sonífero. Um remédio comum no Distrito 12. Barato em relação aos outros remédios, mas muito viciante. Quase todos têm uma dose ou outra. Temos uma garrafa em casa. Minha mãe dá a histéricos pacientes para desacordá-los para dar pontos numa ferida ruim, aquietar suas mentes ou apenas ajudar alguém em dor a atravessar a noite. É apenas um pouco. Um frasco desse tamanho poderia desacordar Peeta por todo um dia, mas qual é o bom disso? Estou tão furiosa que estou quase atirando a última oferta de Haymitch no riacho quando percebo. Um dia todo? É mais do que eu preciso.

 

Moo um punhado de bagas para que o gosto não seja tão notável e acrescento folhas de hortelã em boa medida. Então volto para a caverna.

 

— Trouxe para você um banquete. Achei amoras um pouco rio abaixo.

 

Peeta abre sua boca para o primeiro pedaço sem hesitação. Ele engole e depois franze o cenho levemente.

 

— Elas são bem doces.

 

— Sim, elas são amoras doces. Minha mãe faz geleia com eles. Você nunca as provou antes? — digo, empurrando a próxima colherada na sua boca.

 

— Não — ele diz, quase surpreso. — Mas o gosto é familiar. Amoras doces?

 

— Bem, você não pode consegui-las no mercado, elas são silvestres — respondo.

 

Outro bocado desce. Apenas um para ir.

 

— Elas são doces como xarope — ele comenta, tomando a última colherada. — Xarope.

 

Seus olhos se ampliam quando ele percebe a verdade. Eu pressiono minha mão sobre sua boca e seu nariz fortemente, forçando-o a engolir em vez de cuspir. Ele tenta vomitar a mistura, mas é tarde demais, já está perdendo a consciência. Mesmo quando ele desmaia, posso ver em seus olhos que o que fiz é imperdoável.

 

Sento-me sobre meus calcanhares e olho para ele com uma mistura de tristeza e satisfação. Uma amora mancha seu queixo, e eu o limpo.

 

— Quem não pode mentir, Peeta? — digo, embora ele não possa me escutar.

 

Isso não importa. O resto de Panem pode.

 

 

*Qualquer erro de digitação, por favor nos avisar