Por um momento, as câmeras focam nos olhos abatidos de Peeta enquanto o que ele diz afunda. Então posso ver meu rosto, a boca meio aberta numa mistura de surpresa e protesto, ampliada em todas as telas enquanto eu percebo. Eu! Ele quer dizer eu! Junto meus lábios e fito o chão, esperando que isso oculte as emoções que começam a ferver dentro de mim.
— Oh, isso é que é má sorte — diz Caesar, e há uma ponta real de dor na sua voz.
A multidão está murmurando de acordo, uns poucos dando gritinhos agonizantes.
— Não é bom — concorda Peeta.
— Bem, eu não acho que algum de nós pode te culpar. É difícil não se apaixonar por essa jovem dama — diz Ceasar. — Ela não sabia?
Peeta balança a cabeça.
— Não até agora.
Eu deixo meus olhos fitarem a tela por tempo suficiente para ver que o rubor nas minhas bochechas é claro.
— Vocês não amariam puxá-la de volta para cá e conseguir uma resposta? — Ceasar pergunta à audiência.
A multidão grita concordando.
— Tristemente, regras são regras, e o tempo de Katniss Everdeen acabou. Bem, sorte para você, Peeta Mellark, e acho que falo por toda a Panem quando eu digo que nosso coração vai com você.
O rugido da multidão é ensurdecedor. Peeta tem absolutamente apagado o resto de nós do mapa com sua declaração de amor por mim. Quando a audiência finalmente se aquieta, ele sufoca um calmo “Obrigado” e retorna à sua cadeira.
Nós ficamos de pé para o hino. Eu tenho que levantar minha cabeça por respeito obrigatório e não posso fugir de ver que todas as telas estão agora dominadas pelas imagens de Peeta e eu, separados por poucos passos que nas cabeças dos observadores não podem ser violados. Pobre de nós.
Mas eu sei melhor.
Depois do hino, os tributos voltam em fila para o salão do Centro de Treinamento e para os elevadores. Eu tenho a certeza de entrar num elevador que não tem Peeta. A multidão retarda nossas comitivas de estilistas e orientadores e acompanhantes, então nós temos apenas uns aos outros como companhia. Ninguém fala. Meu elevador para e quatro tributos descem antes de eu estar sozinha e então acho a porta abrindo no décimo segundo andar.
Peeta tinha acabado de sair do seu elevador quando eu bato minhas palmas no seu peito. Ele perde o equilíbrio e colide em um vaso feio cheio de flores falsas. O vaso se inclina e quebra-se em centenas de pequenos pedaços. Peeta cai nos cacos, e sangue imediatamente flui de suas mãos.
— O que foi isso? — ele pergunta, perplexo.
— Você não tinha nenhum direito! Nenhum direito de dizer aquelas coisas sobre mim!— grito para ele.
Agora os elevadores se abrem e todo o grupo está lá, Effie, Haymitch, Cinna, e Portia.
— O que está acontecendo? — diz Effie, uma nota de histeria em sua voz. — Você caiu?
— Depois que ela me empurrou — Peeta responde enquanto Effie e Cinna o ajudam a se levantar.
Haymitch se vira para mim.
— Você o empurrou?
— Isso foi ideia sua, não foi? Tornar-me algum tipo de idiota na frente de todo o país?— replico.
— Foi ideia minha — Peeta responde, recuando enquanto ele puxa os pedaços de cerâmica de suas palmas. — Haymitch só me ajudou.
— Sim, Haymitch é muito útil. Para você! — eu digo.
— Você é uma tola — Haymitch diz com desgosto. — Acha que ele te prejudicou? Aquele garoto só deu a você algo que você nunca poderia conseguir sozinha.
— Ele me fez parecer fraca!
— Ele fez você parecer desejável! E vamos encarar, você pode usar toda a ajuda que conseguir nesse departamento. Você era tão romântica quanto lixo até ele dizer que queria você. Agora todos eles querem. Você é tudo sobre o que eles estão falando. “Os desafortunados amantes do Distrito Doze!” diz Haymitch.
— Mas nós não somos amantes desafortunados!
Haymitch agarra meus ombros e me prende contra a parede.
— Quem se importa? É tudo um grande show. É tudo como você é percebida. O máximo que eu poderia dizer sobre você depois da sua entrevista era que você estava boa o bastante, embora isso em si seja um pequeno milagre. Agora eu posso dizer que você é uma arrasa-corações. Oh, oh, oh, como os garotos de volta para casa caem saudosamente aos seus pés. O que você pensa que vai te conseguir mais patrocinadores?
O cheiro de vinho do seu hálito me deixa tonta. Empurro suas mãos dos meus ombros e me afasto, tentando limpar minha cabeça.
Cinna se aproxima e coloca seus braços ao meu redor.
— Ele está certo, Katniss.
Eu não sei o que pensar.
— Eu deveria ter sido informada, então não pareceria tão estúpida.
— Não, sua reação estava perfeita. Se você soubesse, não seria tão real — diz Portia.
— Ela só está preocupada com o namorado dela —Peeta diz bruscamente, jogando fora um pedaço do vaso manchada de sangue.
Minhas bochechas queimam de novo ao pensar em Gale.
— Eu não tenho um namorado.
— Que seja — Peeta responde. — Mas eu aposto que ele é esperto o bastante para reconhecer um blefe quando o vê. Além disso, você não disse que me amava. Então o que importa?
As palavras estão penetrando. Minha raiva sumindo. Eu estou rasgada agora entre pensar que eu estava sendo usada e pensar que eu estava tendo uma vantagem. Haymitch está certo. Eu sobrevivi à entrevista, mas o que eu era realmente?
Uma garota boba girando num vestido cintilante. Dando risadinhas. O único momento substancial foi quando falei sobre Prim. Compare isso com Thresh, seu silêncio, seu poder mortal e eu sou esquecível. Boba, brilhante e esquecível. Não, não inteiramente esquecível, tenho meu onze do treino.
Mas agora Peeta fez de mim um objeto de amor. Não só dele. Ouviram-no dizer que eu tenho muitos admiradores. E se a audiência realmente pensa que nós estamos apaixonados... lembro o quão forte eles responderam a sua confissão. Amantes desafortunados. Haymitch está certo, eles engolem essas coisas na Capital. De repente me preocupo se eu não reagi direito.
— Depois de ele dizer que me amava, você achou que eu poderia estar apaixonada por ele, também? — pergunto.
— Eu achei — diz Portia. — O modo como você fugiu olhar para as câmeras, o rubor.
Os outros gritam, concordando.
— Você é ouro, querida. Vai ter patrocinadores se enfileirando ao redor do bloco — diz Haymitch.
Estou embaraçada com a minha reação. Eu me forço a admitir Peeta.
— Sinto muito por te empurrar.
— Não tem problema — ele encolhe os ombros. — Embora isso seja tecnicamente ilegal.
— Suas mãos estão bem? — pergunto.
— Elas ficarão bem — ele diz.
No silêncio que se seguiu, o cheiro delicioso do nosso jantar flutua do hall.
— Vamos lá, vamos comer — diz Haymitch.
Todos nós o seguimos para a mesa e pegamos nossos pratos. Mas então Peeta está sangrando tanto que Portia o leva para tratamento médico. Nós começamos a cremosa sopa rose-petal sem eles. Na hora que terminamos, eles chegam. As mãos de Peeta estão cobertas de ataduras. Eu não posso evitar sentir-me culpada. Amanhã nós estaremos na arena. Ele tinha feito um favor para mim e eu tinha respondido a ele com agressão. Eu nunca vou parar de dever a ele?
Depois do jantar, assistimos a gravação na sala de estar. Eu parecia enfeitada e superficial, girando e rindo no meu vestido, embora os outros me assegurassem de que eu era charmosa.
Peeta na verdade é charmoso e totalmente cativante como o garoto apaixonado. E lá estava eu, ruborizando e confusa, bonita pelas mãos de Cinna, desejável pela confissão de Peeta, trágica pelas circunstâncias, e por tudo isso, inesquecível.
Quando o hino termina e a tela fica preta, um silêncio cai no cômodo. Amanhã ao amanhecer, nós seremos despertados e preparados para a arena. Os reais Jogos não começam até as dez porque muitos dos residentes da Capital levantam tarde. Mas Peeta e eu temos que fazer um começo mais cedo. Não tem como dizer o quão longe nós viajaremos para a arena que foi preparada para os Jogos esse ano.
Sei que Haymitch e Effie não irão conosco. Tão breve eles partirem daqui, eles estarão no Posto de Comando dos Jogos, esperando loucamente inscrever nossos patrocinadores, trabalhando uma estratégia de como e quando nos mandar os presentes. Cinna e Portia viajarão conosco para o mesmo lugar onde seremos lançados na arena. Ainda as despedidas finais devem ser ditas aqui.
Effie toma nós dois pela mão e, com lágrimas de verdade em seus olhos, nos deseja sorte. Agradece-nos por sermos os melhores tributos que ela já teve o privilégio de apadrinhar. E então, porque é Effie, e ela aparentemente é obrigada por alguma lei a dizer algo terrível, ela acrescenta:
— Eu não estaria nem um pouco surpresa se eu finalmente for promovida para um distrito decente no próximo ano!
Então ela nos beija nas bochechas e sai apressada, por causa da despedida emocional ou pela possível melhora em seu destino.
Haymitch cruza os braços e olha para nós.
— Alguma palavra final como conselho? — pergunta Peeta.
— Quando o gongo soar, caiam fora de lá. Vocês nem serão vocês até o banho de sangue na Cornucópia. Só para deixar claro, ponham o máximo de distância possível entre vocês e os outros, e encontrem uma fonte de água. Entenderam?
— E depois disso? — pergunto.
— Fiquem vivos.
É o mesmo conselho que ele nos deu no trem, mas ele não está bêbado e rindo dessa vez. E nós apenas acenamos. O que há mais para dizer?
Quando vou ao meu quarto, Peeta demora-se para conversar com Portia. Estou satisfeita. Quaisquer palavras de despedidas para nós trocarmos podem esperar até amanhã.
Meus cobertores estão esticados de novo, mas não há sinal da garota Avox de cabelos vermelhos. Queria saber o nome dela. Devia ter perguntado. Ela podia escrever, talvez. Ou representá-lo. Mas talvez aquilo apenas resultaria em uma punição para ela.
Tomo banho e lavo a cor dourada, a maquiagem, o odor de beleza do meu corpo. Tudo o que resta dos esforços da equipe de preparo são as chamas nas minhas unhas. Decido mantê-las para lembrar a audiência quem eu sou. Katniss, a garota em chamas. Talvez isso me dê algo para segurar nos próximos dias.
Eu coloco uma camisola grossa de lã e subo na cama. Preciso de cinco segundos para notar que eu nunca iria dormir. E eu precisava dormir desesperadamente, porque na arena todo o momento em que eu cedesse à fadiga seria um convite à morte.
Isso não é bom. Uma hora, duas, três passam, e minhas pálpebras se recusam a ficarem pesadas.
Não posso parar de tentar imaginar exatamente em que terreno estarei amanhã. Deserto? Pântano? Uma frígida devastação? Acima de tudo eu espero por árvores, que podem me fornecer alguns meios de camuflagem, comida e abrigo. Frequentemente há arvores, porque paisagens áridas são maçantes e os Jogos se resolvem muito rápido sem elas. Mas como será o clima? Que armadilhas os Gamemakers esconderam para animar os momentos mais lentos? E ainda há meus tributos companheiros...
Quanto mais ansiosa estou para dormir, mais o sono me evita. Finalmente, eu estou inquieta demais mesmo para ficar na cama. Eu ando pelo quarto, o coração batendo muito rápido, respiração muito curta. Meu quarto parece uma cela de uma prisão. Se eu não conseguir ar logo, vou começar a atirar coisas novamente.
Corro no corredor em direção à porta do telhado. Não está trancada, mas entreaberta. Talvez alguém tenha esquecido de fechá-la, mas isso não importa. O campo de força ao redor do telhado previne qualquer forma desesperada de escapar. E eu não estou procurando escapar, apenas encher meus pulmões de ar. Quero ver o céu e a lua na última noite em que ninguém estará me caçando.
O telhado não é iluminado à noite, mas logo que meu pé descalço toca a superfície de azulejo, vejo sua silhueta, negra contra as luzes que iluminam interminavelmente a Capital.
Há muita comoção acontecendo nas ruas, música, canto e buzinas, nada que eu podia escutar através do grosso vidro dos painéis da janela no meu quarto. Eu podia escapulir agora, sem ele me notar; ele não me ouviria acima do ruído. Mas o ar da noite está tão doce que não posso suportar retornar àquela gaiola abafada do meu quarto. E que diferença isso faz? Se nós falarmos ou não?
Meus pés movem-se silenciosamente sobre os azulejos. Estou apenas a um metro dele quando digo:
— Você deveria dormir um pouco.
Ele se sobressalta, mas não se vira. Posso vê-lo balançando suavemente a cabeça.
— Não queria perder a festa. É por nós, depois de tudo.
Vou ao seu lado e me inclino contra a beira da grade. As ruas largas estão cheias de pessoas dançando. Olho de soslaio para ver suas pequenas figuras em mais detalhes.
— Eles estão em fantasias?
— Quem poderia dizer? — Peeta responde. — Como todas essas roupas malucas que eles usam aqui. Não pôde dormir, também?
— Não pude desligar a minha mente.
— Pensando na sua família? — ele pergunta.
— Não — admito um pouco culpada. — Tudo o que eu posso fazer é pensar sobre amanhã. O que é sem sentido, é claro.
Na luz que vem de baixo, posso ver sua face agora, a estranha forma que se apoia sobre as mãos enfaixadas.
— Eu realmente sinto muito quanto a suas mãos.
— Isso não importa, Katniss. Eu nunca fui um candidato nesses jogos, de qualquer forma.
— Essa não é maneira de pensar — digo.
— Por que não? É verdade. Minha melhor esperança é não dar vexame e... — Ele hesita.
— E o quê? — digo.
— Eu não sei como dizer exatamente. Apenas... eu quero morrer como eu mesmo. Isso faz algum sentido? — ele pergunta.
Eu balanço minha cabeça. Como ele poderia morrer como alguém além de si mesmo?
— Eu não quero que eles me mudem. Tornem-me algum tipo de monstro que eu não sou.
Mordo meu lábio me sentindo inferior. Enquanto eu estive ruminando sobre a disponibilidade de árvores, Peeta estava se esforçando em como manter sua identidade. Sua própria pureza.
— Você quer dizer que não matará ninguém? — pergunto.
— Não, quando a hora chegar, tenho certeza que matarei como todos. Eu não posso cair sem lutar. Só continuo desejando que eu pudesse pensar num modo de... mostrar a Capital que eles não são donos de mim. Que eu sou mais que uma peça em seus Jogos.
— Mas você não é. Nenhum de nós é. É como os Jogos funcionam.
— Ok, mas dentro desse quadro, ainda há você, ainda há eu — ele insiste. — Você não vê?
— Um pouco. Apenas... sem ofensa, mas quem se importa, Peeta? — digo.
— Eu me importo. Quero dizer, a que mais eu sou autorizado a me importar a esse ponto? — ele pergunta irritado.
Ele prende aqueles olhos azuis nos meus agora, exigindo uma resposta.
Dou um passo para trás.
— Importe-se com o que Haymitch disse. Sobre ficar vivo.
Peeta sorri para mim, triste e desdenhoso.
— Ok. Obrigado pelo toque, querida.
É como um tapa na minha cara. Ele usando o acento arrogante de Haymitch.
— Olhe, se você quer passar as últimas horas da sua vida planejando alguma morte nobre na arena, é escolha sua. Eu quero passar as minhas no Distrito Doze.
— Não me surpreenderia se você conseguisse — diz Peeta. — Dê a minha mãe o meu melhor quando você voltar, ok?
— Conte com isso — digo.
Então me viro e deixo o telhado. Passo o resto da noite entrando e saindo de um cochilo, imaginando as observações cortantes que farei a Peeta de manhã.
Peeta Mellark. Nós veremos o quão alto e poderoso ele é quando enfrentar a vida e a morte. Ele provavelmente se transformará naqueles tributos bestas enfurecidos, o tipo que tenta comer o coração de alguém depois de matá-lo.
Houve um cara assim há alguns anos do Distrito 6 chamado Titus. Ele ficou completamente selvagem e os Gamemakers tiveram que paralisá-lo com armas elétricas para juntar os corpos dos jogadores que ele tinha matado antes que ele os comesse. Não há regras na arena, mas canibalismo não fica bem com a audiência da Capital, então eles tentaram acabar com isso. Havia alguma especulação de que a avalanche que finalmente levou Titus para fora foi projetada especificamente para assegurar o vencedor não era um lunático.
Não vejo Peeta de manhã. Cinna aparece antes do amanhecer, me dá uma simples troca para vestir e me guia para o telhado. Minha roupa final e preparações estarão sozinhos nas catacumbas sob a própria arena.
Um aerobarco aparece do nada no ar, justo como aquele na floresta no dia em que eu vi a garota Avox de cabelos vermelhos capturada, e uma escada caindo. Eu posiciono minhas mãos e piso nos degraus mais baixos e instantaneamente é como se eu tivesse congelada. Algum tipo de corrente me junta à escada enquanto estou deslizando segura para dentro.
Espero a escada para me libertar então, mas ainda estou presa quando uma mulher num casaco branco se aproxima de mim carregando uma seringa.
— Esse é apenas seu localizador, Katniss. Quando mais parada você estiver, mais eficiente eu posso colocá-lo — ela diz.
Parada? Eu estou como uma estátua. Mas isso não me previne da sensação do golpe afiado de dor enquanto a agulha insere o dispositivo metálico de localização profundamente sob a pele no lado interno do meu antebraço. Agora os Gamemakers sempre serão capazes de traçar meu lugar na arena. Eles não iriam querer perder um tributo.
Tão logo o localizador está no lugar, a escada me liberta. A mulher desaparece e Cinna é trazido do telhado. Um garoto Avox vem e nos direciona ao quarto onde será o café da manhã. Apesar da tensão no meu estômago, eu como o máximo que posso, embora nenhuma das comidas deliciosas faça alguma impressão em mim. Estou tão nervosa que poderia estar comendo poeira de carvão. A única coisa que me distrai de tudo é a visão das janelas enquanto nós navegamos pela cidade e então para a imensidão além dela. Isso é o que os pássaros veem. Apenas eles são livres e salvos. O oposto de mim.
A corrida continua por meia-hora antes de janela ficar escura, sugerindo que nós estamos nos aproximando da arena.
O aerobarco aterrissa e Cinna e eu voltamos para a escada, só que dessa vez ela segue para baixo dentro de um tubo subterrâneo, dentro das catacumbas que ficam sob a arena. Nós seguimos instruções para o meu destino, uma sala para minha preparação. No Capital, eles a chamam de Sala de Abertura. Nos distritos, é referida como Curral. O lugar para onde os animais vão antes do abate.
Tudo é novo em folha, serei o primeiro e único tributo a usar essa Sala de Abertura. As arenas são sítios históricos, preservados depois dos Jogos. Destinos populares para os moradores da Capital visitarem, nas férias. Ir por um mês, re-assistir os Jogos, passear pelas catacumbas, visitar os lugares onde as mortes ocorreram. Você pode mesmo tomar parte no restabelecimento. Dizem que a comida é excelente.
Eu luto para manter meu café da manhã no estômago enquanto tomo banho e limpo os meus dentes. Cinna faz em meu cabelo a simples trança que é minha marca registrada. Então as roupas chegam, a mesma para cada tributo.
Cinna não tinha falado nada sobre meus trajes, nem sequer sabe o que estará no pacote, mas ele me ajuda a vestir minha roupa de baixo, calça marrom-amarelada simples, blusa verde-clara, cinto marrom vigoroso e um fino casaco de capuz preto que cai nas minhas coxas.
— O material dessa jaqueta é desenhado para refletir o calor do corpo. Espere algumas noites frias — ele diz.
As botas, usadas sobre meias muito justas, são melhores do que eu podia ter esperado. Couro macio diferente do de casa. Essas aqui têm uma sola de borracha estreita e flexível. Bons para corrida.
Penso que terminei quando Cinna puxa o broche de mockingjay de ouro do seu bolso. Tinha me esquecido completamente dele.
— Onde você conseguiu isso? — pergunto.
— Na roupa verde que você usou no trem — diz.
Lembro agora de tirar do vestido da minha mãe, prendendo-o na camisa.
— É sua lembrança do distrito, certo?
Aceno e ele o prega na minha camisa.
— Ele quase abriu o conselho de revisão. Alguns pensaram que o pino podia ser usado como uma arma, o que lhe dá uma vantagem injusta. Mas, finalmente, deixaram-no —diz Cinna. — Eles eliminaram o anel daquela garota do Distrito Um, entretanto. Se você torcer a joia, um prego pula para fora. Envenenado. Ela disse que não tinha conhecimento do anel transformado e não tinham como provar que ela soubesse. Mas ela perdeu sua lembrança. Aqui, você está pronta. Dê um giro. Tenha certeza que tudo está confortável.
Eu ando, corro em um círculo, balanço meus braços.
— Sim, está ótimo. Perfeito.
— Então não há nada a fazer a não ser esperar pela chamada. A não ser que você ache que possa comer mais?
Eu recuso a comida, mas aceito um copo de água que tomo aos golinhos enquanto esperamos no sofá. Eu não quero roer minhas unhas ou morder meus lábios, então me encontro mordendo a parte de dentro da minha bochecha. Ela ainda não está totalmente curada de alguns dias atrás. Logo o gosto de sangue enche a minha boca.
Nervosismo ecoa em terror enquanto eu antecipo o que está por vir. Eu podia estar morta, morta sem rodeios, em uma hora. Menos até. Meus dedos obsessivamente rastreiam a protuberância um pouco dura no meu antebraço, onde a mulher tinha injetado o dispositivo de rastreamento. Eu pressiono, embora doa, pressiono tão forte que um pequeno inchaço começa a se formar.
— Você quer conversar, Katniss? — Cinna pergunta.
Balanço a minha cabeça, mas depois de um momento estendo minha mão a ele. Cinna segura com as duas mãos. E é assim como nós sentamos até uma agradável voz feminina anunciar que é a hora da abertura.
Ainda apertando uma das mãos de Cinna, eu ando mais e fico em cima de uma placa circular de metal.
— Lembre-se do que Haymitch falou. Corra, encontre água. O resto virá depois.
Eu aceno.
— E lembre-se disso. Eu não estou autorizado a apostar, mas se eu pudesse, meu dinheiro estaria em você.
— Verdade? — sussurro.
— Verdade — diz Cinna. Ele se inclina e me beija na testa. — Boa sorte, garota em chamas.
E então um cilindro de vidro está descendo ao meu redor, quebrando nosso aperto de mão, cortando-o de mim. Ele coloca seus dedos sob seu queixo. Cabeça erguida.
Eu levanto meu queixo e fico tão reta quanto posso. O cilindro começa a levantar. Por talvez quinze segundos, eu estou na escuridão, e então eu posso sentir a placa metálica me empurrando para fora do cilindro, para o ar aberto. Por um momento, meus olhos estão ofuscados pela brilhante luz do sol e eu estou consciente apenas do vento forte com o cheiro esperançoso de pinheiros.
Então escuto o lendário locutor, Claudius Templesmith, enquanto sua voz ruge ao meu redor.
— Damas e cavalheiros, deixem o septuagésimo quarto Jogos Vorazes começarem!
*Qualquer erro de digitação, por favor nos avisar